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<head>PROLOGO AO LEITOR.</head>
<p>A IGNORANCIA, em que eu me achava das couſas da Patria, fez que lançaſſe mão dos
noſſos bons Autores, para nelles me inſtruir, e por ſeu auxilio me tirar da vergonha,
que tal negligencia deve cauſar a todo homem ingenuo. Appliquei-me pois á lição
delles, e ſuccedia-me iſto em terra eſtranha, onde me levárão trabalhos,
deſconhecido, ſem recommendação, e marcado com o ferrete da deſgraça, origem de
ludibrios, e vituperios, com que ſe afoitão aos infelices as almas triviaes. Não he
porém do toque deſtas a do Illuſtriſſimo, e Excellentiſſimo Senhor Luiz Pinto de
Souſa Coutinho, Senhor de Balſemão, Tendaes, e Ferreiros, Varão benemerito da
Humanidade, e da Patria, a quem ſobre infinitos beneficios, e os maiores que ſe podem
pretender neſte mundo, devo o de me franquear a ſua mui eſcolhida, e copioſa
livraria. Nella achei boa copia dos noſſos livros claſſicos, de cuja leitura vim a
conhecer me era neceſſario eſtudar a lingua materna, que eu, como muita gente,
preſumia ſaber arraſoadamente. Entendi tambem, que converſando muito os taes Autores
he que poderia fazer alguns progreſſos, e fui contínuo em os revolver por mais de
ſeis annos. Acompanhei eſte eſtudo com os auxilios do Bluteau, que achei muitas vezes
em falta de vocabulos, e frazes; e mui frequentemente ſobejo em diſſertações
deſapropoſitadas, e Aranhas do aſſumpto, que fazem avolumar tanto a ſua obra.</p>
<p>Eſte ultimo reparo me animou a eſcolher para meu uſo tudo o que elle traz
propriamente Portuguez, deixando ſómente os termos da Mythologia, os da Hiſtoria
antiga, e da Geografia, á imitação dos melhores Diccionariſtas das linguas vivas. E
ainda eu quizera ommittir muitos vocabulos de cargos, officios, navios, e outras
couſas da Aſia, e Ethiopia, que vem nas Hiſtorias daquellas partes, explicados ahi
meſmo pelos Autores, e de que ninguem uſou depois: mas receei que me accuſaſſem deſta
ommiſsão, e lá os conſervei.</p>
<p>Do que recolhi das minhas leituras fui ſuprindo as faltas, e diminuições que nelle
achava; e quem tiver lido o Bluteau, e conferir com o ſeu eſte meu trabalho, achará
que não foi pouco o que ajuntei; e mais podéra accreſcentar, ſe as minhas
circumſtancias me não levaſſem forçado a outras applicações mais fructuoſas. Todavia
não venderei ao público por grande o ſerviço que lhe fiz, baſta que conheça que lhe
poupei a deſpeza de 10 volumes raros; que lhe dou o bom que nelles ha, muito
melhorado, e por huma decima parte, ou pouco mais do ſeu cuſto, com a commodidade de
não andar revolvendo tantos tomos; e iſto he alguma coiſa, em quanto não apparece
outra melhor.</p>
<p>Os Autores, com que autoriſei os artigos addidos, são Portuguezes caſtiços, e de bom
ſeculo pela maior parte: bem ſei que os criticos tem cada hum o ſeu mimoſo, e quizera
que com elle lhe allegaſſem; mas eu não advinho, nem ainda aſſim fora poſſivel
ſatisfazer a todos. Contento-me com autoridade claſſica, que abone o ſentido, e a
naturalidade da palavra, e creio que para afiançar de Portugueza v. g. o termo
abobado, tanto preſta Barros, como Duarte Nunes de Leão, quaſi ſeu contemporaneo, mui
lido nos livros Portuguezes, e que trabalhou muito na lingua.</p>
<note>(a) Os Puriſtas Portuguezes não concordão ácerca do merecimento dos noſſos
Claſſicos: huns querem que Vieira ſeja oraculo na propriedade , pureza , e até na
Orthografia das palavras; ha de ſe uſar de amfora , bufano , e eſcrever açacalado
porque são de Vieira: outros tem-no por autor ſuſpeito na pureza da lingua , e não
conſentem que valha o que náo traz o cunho , fello de Caſtanheda , Fr. Marcos de
Lisboa , Pinheiro , ec. Eſtes ſenhores eſquecem-ſe por ventura do que Horacio
recommenda na Epiſt. 2. L. 2. V. 115. e ſeguintes , e na Poetica deſde o 45 ate 72.
Confórme a eſtes principios ajuntei aqui o antiquado , para ſe achar a explicação , e
ſe poderem reſuſcitar vocabulos antiquados , ou antes eſquecidos nos 6o annos , em
que eſtivemos ſujeitos a Heſpanha , e em que o Portuguez andava no deſuſo , que
refere Manoel de Galhegos no prologo do ſeu Poema; e tambem collegi os termos
innovados das artes , e ſciencias , como v. g. os da mechanica , traduzida pelo
doutiſſimo P. Joſé Monteiro da Rocha Profeſſor da Univerſidade de Coimbra , e os que
lá na dita Univerſidade cortem na Hiſtoria Natural , Quimica , ec.: quanto aos outros
que vem nas Leis modernas , como todos as devem entender , acho que eu os devo aqui
explicar: alguns tirei da Deducção Chronologica , e outros papeis da Real Meza
Cenſoria , e Miniſteriaes , que tem huma eſpecie de ſello , ou cunho público.
Rariſſima vez cito algum uſado do Candido Luſitano na Atalia de Racine , que traduzia
ſobreexcellentemente , ou pelo Optimo Poeta Pedro Antonio Correia Garção , os quaes
ambos , como aquelles que erão mui bem verſados nos bons eſtudos patrios , e da
Lingua materna; sáo bons abonadores dos vocabulos que genitor produxerit ufus , , mas
de Garção cuido que não merece igual appreço o que eſcreveo em proſa.</note>
<p>Quanto á Orthografia que ſegui, declaro altamente, e de bom ſom, que na maior parte a
ſigo contra o meu parecer, e porque aſſim o querem. Eu ſou pela Orthografia
Filoſofica, a qual fundada na analiſe dos ſons proprios ou vogaes, e na de ſuas
modificações, pede que a cada hum ſe dè hum ſó final, ou letra privativa, diſtinta, e
que não repreſente nenhum outro ſom, ou conſoante. Deſte voto erão João de Barros o
Célebre Duclos e o immortal Franklin tão abaliſado na carreira Filoſofica, e
Politica, cujos nomes aponto para confuso dos que, não valem tanto como eſtes, nem
como Tullio, e Ceſar, que tambem grammaticárão.</p>
<p>Não tenho mais que preambular, e concluirei com pedir aos homens judicioſos, e
verſados neſte genero de litteratura, que relevem os meus erros, e deſcuidos: a quem
não tem diſcernimento, e tem a ſua livraria, ou cabeça bem expurgada de livros, e
erudicções Portuguezas, que por decoro ſeu ſe dè por ſuſpeito na cauſa ſenão quizer
que o reconheção por incompetente.</p>
<p><hi rend="italic">Vale.</hi></p>
<noteGrp>
<note xml:lang="pt">(a) Orthografia f. 184. edicção de 1785. em 8.</note>
<note xml:lang="pt">(b) Grammaire Generale & Raiſonnée à Paris 1780. in 12.°</note>
<note xml:lang="pt">(c) Franklin's Miſcellaneous Tracts Lond. 1779. ou 80. in
8.°</note>
<note xml:lang="pt">(d) V. Sueton. in Cæſare. cap. 56 , in Auguſt. cap. 88. veja-ſe
Quintiliano Inſt. Orat. L. 1. c. 7. e 8.</note>
</noteGrp>
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<noteGrp>
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